domingo, 15 de dezembro de 2013

Três desafios ao livre-arbítrio

A importância do livre-arbítrio

Tomamos decisões todo o dia. O que quero de café da manhã? Que roupa devo trajar hoje? Que gravata combina melhor com este paletó? Devo fazer compras antes do jantar ou depois? Hoje, enfim, terei uma conversa com aquele colega de trabalho que venho protelando?
O fato de deliberarmos e nos vermos como seres que tomam várias decisões através do dia demonstra que nos vemos como dotados de opções reais. Dotados de escolhas. Concebemo-nos como seres livres.
Uma crença no livre-arbítrio é pressuposta por toda a moralidade tradicional. Louvamos pessoas por suas boas ações e repreendemo-las pelas más ações que cometem. Mas louvor e repreensão só fazem sentido se as pessoas tiverem escolhas reais.
Atitudes de remorso e orgulho também pressupõem o livre-arbítrio. Um sentimento de remorso está vinculado à crença de que eu poderia ter agido diferentemente. De forma semelhante, uma sensação de orgulho resulta da perceção de que eu poderia ter-me acomodado com menos, mas não o fiz.
Todos naturalmente acreditamos que somos livres. Pensamos naturalmente que o futuro está aberto à nossa vontade, em grandes e pequenas coisas. Essa é uma crença fundamental na maioria das visões do mundo.
Há poucas décadas, a psicologia era dominada por académicos que acreditavam que o livre-arbítrio é uma ilusão. Os seguidores de Freud imaginavam-nos a todos como cativos de experiências da infância remota e de impulsos inconscientes. Os partidários de Binet viam-nos a todos como prisioneiros do QI. Professores e profissionais treinados no pensamento de B. F. Skinner modelavam o comportamento humano pelo dos ratos que podiam ser manipulados através de mecanismos físicos de reforço positivo e negativo. Não havia lugar na psicologia académica da época para a verdadeira liberdade. Essa é uma das razões por que, após um curso de graduação em psicologia, decidi (livremente) abandonar o laboratório definitivamente e voltar minha atenção ao que os filósofos tinham para dizer.
Descobri que um dos grandes psicólogos e filósofos do século XIX, William James, como um conjunto de grandes pensadores antes dele, acreditava firmemente no livre-arbítrio. Ele estava convencido de que podemos modificar nossas vidas mudando nossos pensamentos. Os discípulos de Freud, Binet e Skinner sem dúvida conseguem identificar e diagnosticar problemas de conduta e personalidade humanos. Mas eles têm um histórico notoriamente fraco em realmente ajudarem as pessoas. Já um seguidor de James pode fazer diferença nas vidas de seres humanos reais.
Nossa crença no livre-arbítrio é importante. Ela é poderosa. Bem no fundo, queremos acreditar que podemos fazer diferença nesta vida, que podemos superar obstáculos e, criativamente, deixar nossa marca neste mundo. Não podemos acreditar em criatividade ou responsabilidade sem pressupor a liberdade.
A crença humana natural no livre-arbítrio tem sido ameaçada através dos séculos de pelo menos três direções. 

Previsão do futuro: O desafio teológico à liberdade

Se alguém consegue literalmente prever o futuro, este já deve de algum modo estar antecipadamente traçado. Ele já está nas cartas. Não há nada que possamos fazer para o mudar. Observe que não estou falando de alguém que meramente vislumbra uma possibilidade futura, mas que literalmente vê antecipadamente o que de fato ocorrerá.
Minha ideia aqui é simples. Se há maneiras de sabermos o que não compreendemos plenamente, e se algumas delas nos põem em contato com os detalhes de um futuro ainda por vir, isso pode criar um desafio à nossa crença no livre-arbítrio.
Para esclarecer exatamente como funciona esse desafio, usarei o exemplo de Deus. Suponha que haja um ser perfeito que infalivelmente saiba o futuro e possa comunicar aspetos desse futuro a seres humanos para fins especiais. Se um Deus absolutamente perfeito sabe o futuro, presume-se que o saiba perfeitamente e, portanto, completamente. Um Deus perfeito não pode estar errado. Assim, se ele sabe, por exemplo, que você se mudará para o outro extremo do país daqui a um ano, por mais que você deseje permanecer, estará pegando a estrada. Você não tem escolha. Você não pode provar que ele está errado. Igualmente, se ele sabe que você permanecerá na casa e emprego atuais pelos próximos dez anos, você está preso a eles, queira ou não. Em ambos os casos, você não tem as opções, ou a liberdade, que normalmente supõe ter. Nem eu.
A presciência divina pareceria então um sério desafio à liberdade humana. Mesmo a presciência humana, se for realmente conhecimento. Se o futuro já está, de algum modo, metafisicamente "ali" para ser conhecido, ele está fixado, não importa o que queiramos ou tentemos fazer, e não temos liberdade para torná-lo diferente. Existe resposta para esse desafio?

O que será, será: O desafio lógico à liberdade

Há uma famosa lei da lógica denominada "Lei do Terceiro Excluído". Em termos simples, ela diz que, para toda a proposição P, ou P é verdadeiro, ou não-P é verdadeiro. Não há terceira alternativa. Assim, ou existe um Deus, ou não é o caso de que existe um Deus. Ou é possível sobreviver à morte corporal, ou não é possível sobreviver à morte corporal. Essa lei da lógica governa todas as proposições.
Outra famosa lei da lógica denomina-se "Lei da Não-Contradição". Ela diz que, para toda a proposição P, não é o caso que P e não-P sejam verdadeiras. Não é o caso que existe e não existe uma ordem moral no universo. Ou ela existe, ou não existe. Não são possíveis ambas as coisas.
É fascinante, e um pouco preocupante, ver o que acontece quando aplicamos a Lei do Terceiro Excluído e, depois, a Lei da Não-Contradição, a uma proposição no tempo futuro. Seja P a proposição:
Você comerá uma maçã amanhã no almoço.
De acordo com a Lei do Terceiro Excluído, ou é verdadeiro que você comerá uma maçã amanhã no almoço, ou é verdadeiro que você não comerá uma maçã amanhã no almoço. Mas então podemos lançar o seguinte argumento:
  • Ou você comerá uma maçã amanhã no almoço, ou não comerá. (Terceiro Excluído.)
  • Se você vai comer uma maçã amanhã no almoço, nada que você fizer entre agora e então o impedirá de comer aquela maçã no almoço. (Segue-se da Não-Contradição.)
  • Se você não vai comer uma maçã amanhã no almoço, qualquer esforço que você fizer entre agora e então para comer tal maçã será, literalmente, infrutífero. (Da Não-Contradição.) Portanto,
  • Você não possui agora duas opções igualmente disponíveis de comer ou não comer aquela maçã. (Por definição do que é uma opção.) Logo,
  • Você não é realmente livre quanto a se comerá ou não uma maçã amanhã no almoço. (Pela definição de liberdade como requerendo opções reais.)

Esse mesmo raciocínio aplicar-se-á a qualquer proposição no tempo futuro. Assim, parece seguir-se que você não é livre a respeito de nada no futuro. Argh! Isso é o que os filósofos costumam denominar Problema do Fatalismo Lógico.
Mas como sabemos que as leis da lógica realmente são verdadeiras? É impossível, literalmente incoerente, cogitar no inverso e supor que na verdade não são. Não conseguimos sequer pensar sem pressupor as leis da lógica. Elas não podem ser violadas por uma proposição num tempo verbal específico. Assim, parece que, mesmo para alguém que não acredite em Deus ou na presciência humana, um problema ameaça a nossa crença comum na liberdade humana. Existe solução para ele? Os filósofos têm formulado essa pergunta há séculos. Talvez tenhamos uma resposta.

Robôs e títeres cósmicos: O desafio científico à liberdade

Desde pelo menos a época de Sir Isaac Newton, cientistas e filósofos impressionados pela marcha da ciência oferecem um quadro do comportamento humano nada promissor para a crença na liberdade. Toda a natureza é vista por eles como um imenso mecanismo, com os seres humanos servindo como meras peças dessa gigantesca máquina. Nessa visão, vivemos e pensamos de acordo com as mesmas leis e causas que movem todos os outros componentes físicos do mecanismo universal.
De acordo com esses pensadores, tudo o que acontece na natureza tem uma causa. Suponha então um evento que, no contexto, seja claramente uma ação humana do tipo que costumamos considerar livre. Como uma ocorrência neste universo, ele tem uma causa. Mas essa causa, por sua vez, tem uma causa. E tal causa, por sua vez, tem outra causa etc. etc.
Como resultado dessa visão científica do mundo, obtemos o seguinte quadro:
Condições naturais fora de nosso controlo
causam
Estados corporais e cerebrais internos,
que causam
Ações mentais e físicas
Mas se isso for verdade, em última análise você não passa de um conduto para cadeias de causação natural que retrocedem ao passado remoto antes de seu nascimento e continuam futuro adentro após sua morte. Você não é causa originária de nada. Nada do que você faça se deve apenas às suas escolhas ou pensamentos. Você é um títere da natureza. Você não passa de um robô programado por um cosmos insensível.
Os psicólogos falam na hereditariedade e meio ambiente como responsáveis por tudo o que você faz. Mas se eles são responsáveis, você não é? Segue-se que você pode fazer o que quer, irresponsavelmente? De jeito nenhum. Segue-se apenas que você fará o que aprouver à natureza e educação. Mas nesse quadro, a educação se revela apenas um véu ilusório sobre uma natureza cruel e insensível. Você tem o que a natureza lhe dá. Nada mais e nada menos.
Onde está a liberdade humana nesse quadro? Ela não existe. É uma de nossas maiores ilusões. A crença natural no livre-arbítrio não passa de uma monstruosa falsidade. Mas não devemos condenar-nos por nos apegarmos a essa ilusão até que a ciência nos corrigisse. Não havia como impedi-lo. 
Esse raciocínio denomina-se Desafio do Determinismo Científico. De acordo com os deterministas, somos determinados em todos os aspetos a fazermos tudo o que chegamos a fazer.
Esse é outro sério desafio à liberdade humana. É a razão pela qual um dos primeiros cientistas modernos, Pierre Laplace (1749-1827), certa vez afirmou que, se fosse possível fornecer a um supergénio uma descrição total do universo em qualquer dado ponto do tempo, ele seria capaz de prever com certeza tudo que ocorreria no futuro em relação àquele momento e retroceder com certeza para tudo que jamais aconteceu antes daquele estado descrito. Ele acreditava que a natureza era uma máquina perfeita, e os seres humanos não passavam de engrenagens na máquina, iludidos na crença de serem livres.
O determinismo está certo? A ciência condena-nos a um estado robótico, apesar de nossos sentimentos subjetivos contrários?

Morris, T. (2000). Filosofia para dummies. Rio de Janeiro: Editora Campus, pp. 117-126 (adaptado).

domingo, 17 de novembro de 2013

Dia Mundial da Filosofia 2013

O Grupo de Filosofia da Escola Secundária de Alberto Sampaio comemora, no próximo dia 21 de novembro, o Dia Mundial da Filosofia, com três workshops e uma representação do Mito de Sísifo.
Os workshops têm a colaboração da Universidade do Minho e da Associação Portuguesa de Ética e Filosofia Prática. A representação do Mito de Sísifo estará a cargo dos alunos do curso profissional de Interpretação e será seguida de debate moderado pelo professor José Miguel Braga, da ESAS.
Os cartazes de divulgação estão aqui: http://www.esas.pt/dfa/.



sábado, 16 de novembro de 2013

Experiências mentais

Uma boa maneira de filosofar consiste em recorrer a «experiências de pensamento», um método clássico que faz parte do equipamento básico do filósofo; em suma, o seu tubo de ensaio ou uma das chaves da sua caixa de ferramentas. Uma experiência de pensamento é uma situação imaginária extrema que permite ilustrar ou comprovar uma crença metafísica e que, por não sofrer qualquer condicionamento, força o pensamento a ir até ao fundo de si mesmo, até ao extremo dos seus limites. É preciso, no entanto, ter atenção: as experiências de pensamento não são «provas», e acontece que nem sempre constituem argumento. A tendência é imaginar aquilo em que acreditamos. O que é imaginável ou concebível não é necessariamente realista ou realizável. O interesse das experiências de pensamento é, ainda assim, bem real: denunciar as nossas ilusões, escapar à caverna das nossas crenças familiares.

Ferret, Stéphane (2007). Aprender com as coisas – Uma iniciação à filosofia. Porto: Edições Asa, p. 10.

domingo, 3 de novembro de 2013

Racionalidade instrumental, racionalidade teórica e racionalidade prática

O que é ser racional? De quê ou de quem afirmamos a racionalidade?  De pessoas, ações, pensamentos, crenças? Onde podemos ir buscar uma primeira definição operacional de racionalidade,  um ponto de partida para uma investigação?
Antes de olharmos um pouco para a história do problema da racionalidade e para o seu tratamento na literatura, procuremos nas nossas intuições: veremos que começar pela definição instrumental de ‘racionalidade’ é a forma natural de começar. Tendemos a qualificar como ‘racional’ o que se passa em circunstâncias deste género: temos um agente que crê determinadas coisas, tem determinados desejos, e que em função dessas crenças e desejos age de forma a obter aquilo que pretende, de forma a desencadear o estado do mundo que corresponderá à satisfação dos seus desejos (por exemplo, alguém que espera uma mensagem importante, deseja avidamente lê-la, crê que essa mensagem acabou de chegar, e dirige-se imediatamente à caixa do correio para a ler). Aquilo de que estamos a falar quando qualificamos como racional o comportamento desse agente é de uma ação apropriada a uma dada finalidade, da seleção e mobilização de meios com vista a um determinado fim (os fins do agente são relativos àquilo que ele deseja, e os agentes chegam supostamente à situação de decisão já munidos de de­sejos). Não chamaríamos racional ao comportamento do agente se este, esperando uma mensagem importante, desejando avidamente lê-la, acreditando que a mensagem acabou de chegar, em vez de se dirigir imediatamente à caixa do correio fugisse desta a sete pés (convenhamos que isto pode perfeitamente acontecer — o funcionamento das crenças e desejos de agentes humanos não é nada simples).
A definição de ‘racionalidade’ que acabei de avançar é a mais consensual e comum. Corresponde à chamada definição instrumental da racionalidade, que nos diz o que é racionalidade na ação. A definição instrumental pode ainda fazer referência a processos mentais (crenças, desejos) envolvidos num processo de controlo da realidade por parte de um ser inteligente. Se há alguma coisa quanto à qual as pessoas que falam de racionalidade estão de acordo é a definição instrumental de racionalidade. […]
[A] racionalidade teórica é racionalidade nas crenças. Em princípio […] as nossas crenças são racionais se temos boas razões para as sustentar e se são fiáveis […] na forma como representam o mundo. […] Quanto à racionalidade prática, ela é racionalidade na ação, e o raciocínio prático é o raciocínio que eventualmente afeta planos e intenções do agente e resulta numa determinada decisão que conduz à ação.
[…] A questão básica da racionalidade teórica é saber em que devemos acreditar.
[…] A questão básica da racionalidade prática é saber o que devemos fazer.
Em ambos os domínios, racionalidade nas crenças e racionalidade na ação, há espaço para a irracionalidade: são casos de irracionalidade, acreditar no que não temos razões para acreditar, não acreditar no que temos razões para acreditar, não fazer o que queremos fazer, acreditamos que devemos fazer e temos boas razões para fazer, fazer aquilo que acreditamos que não devemos fazer […].

Miguens, S. (2004). Racionalidade. Porto: Campo das Letras, pp. 47-52.

Link para o texto com questões: http://pt.scribd.com/doc/181358934/Racionalidade-instrumental-racionalidade-teorica-e-racionalidade-pratica

Filosofia da ação

Os filósofos chamam teoria da ação, ou filosofia da ação, a uma área da filosofia em que se procura analisar (i) em que consiste uma ação, i. e., o que é que faz com que eventos, acontecimentos no mundo, constituam ações de agentes, e (ii) em que consiste ‘explicar’ uma ação, nomeadamente através de razões fornecidas pelo agente. Parte do interesse desta dis­cussão é vir a saber o que constitui atividade e eventualmente responsabilidade de agentes, o que é e o que não é deliberado nos comportamentos de humanos. Imaginemos uma situação concreta: uma pessoa A tem um revólver na mão, acontece um disparo, acontece algo à pessoa B que está uns metros à sua frente, ela cai morta. Pelo menos duas coisas diferentes podem aparentemente ter sido o caso: A pressionou o gatilho com a intenção de matar B, e B morre de facto ou deu-se o acaso infeliz de um movimento incontrolado do dedo de A fazer o gatilho disparar, provocando a morte de B. Poderá a diferença entre as duas situações dever-se a algo que se passa (ou não se passa) no interior do agente, e que terá a ver com entidades mentais como intenções e razões? […]
Vejamos um novo exemplo. Pense-se na seguinte diferença: vemos um vaso de flores que cai de um segundo andar em cima da cabeça de alguém que passa na rua. Uma opção: o vento fez com que o vaso caísse. Outra opção: alguém contratado para matar a pessoa que passa na rua empurrou certeiramente o vaso. Não diríamos que se trata de uma ação em ambos os casos, mesmo que um registo filmado do vaso que cai e mata o transeunte nos mostrasse exatamente ‘a mesma sequência de eventos num e noutro caso’. O que é que faz com que num caso falemos de ação mas não no outro?

Miguens, S. (2004). Racionalidade. Porto: Campo das Letras, pp. 93-95.

Link para o texto com questões: http://pt.scribd.com/doc/181358042/Filosofia-da-acao

sábado, 5 de outubro de 2013

Frases ambíguas

Algumas frases exprimem proposições. Quando uma frase exprime mais do que uma proposição é ambígua.
Qual é a frase ambígua? Que proposições é que exprime?

In Pública, n.º 392, 30/11/2003.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Algumas noções de lógica

"Algumas noções de lógica

António Aníbal Padrão
Escola Secundária de Alberto Sampaio, Braga

Introdução

Todas as disciplinas têm um objecto de estudo. O objecto de estudo de uma disciplina é aquilo que essa disciplina estuda. Então, qual é o objecto de estudo da lógica? O que é que a lógica estuda? A lógica estuda e sistematiza a validade ou invalidade da argumentação. Também se diz que estuda inferências ou raciocínios. Podes considerar que argumentos, inferências e raciocínios são termos equivalentes.
Muito bem, a lógica estuda argumentos. Mas qual é o interesse disso para a filosofia? Bem, tenho de te lembrar que a argumentação é o coração da filosofia. Em filosofia temos a liberdade de defender as nossas ideias, mas temos de sustentar o que defendemos com bons argumentos e, é claro, também temos de aceitar discutir os nossos argumentos.
Os argumentos constituem um dos três elementos centrais da filosofia. Os outros dois são os problemas e as teorias. Com efeito, ao longo dos séculos, os filósofos têm procurado resolver problemas, criando teorias que se apoiam em argumentos.
Estás a ver por que é que o estudo dos argumentos é importante, isto é, por que é que a lógica é importante. É importante, porque nos ajuda a distinguir os argumentos válidos dos inválidos, permite-nos compreender por que razão uns são válidos e outros não e ensina-nos a argumentar correctamente. E isto é fundamental para a filosofia."

Padrão, A. (2004). Algumas noções de lógica. In Crítica.

Ver o artigo completo aqui:

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Matemática e filosofia

"De acordo com Graham, um matemático é o único cientista que pode legitimamente afirmar: «Deito-me no meu sofá, fecho os olhos e trabalho.»
A matemática é quase inteiramente cerebral - o verdadeiro trabalho é feito não num laboratório ou num gabinete ou numa fábrica, mas na cabeça."
Devlin, Keith (2008). Os problemas do milénio - Os sete maiores enigmas da matemática contemporânea. Lisboa: Gradiva, p. 26.

E o filósofo, também poderá legitimamente afirmar: «Deito-me no meu sofá, fecho os olhos e trabalho»? Porquê?

domingo, 29 de setembro de 2013

A filosofia e a sua dimensão discursiva - Conceitos e definições (10.º ano - Módulo inicial)

A filosofia e a sua dimensão discursiva (10.º ano - Módulo inicial)

A filosofia é uma atividade crítica


A filosofia é uma atividade crítica porque consiste em procurar boas razões (ou seja, bons argumentos) para aceitar ou recusar ideias sobre os problemas.
Mas ser crítico não é «dizer mal». Ser crítico é avaliar cuidadosamente todas as ideias (sejam nossas, dos nossos colegas ou de filósofos famosos) para tentar saber se são verdadeiras (ou, pelo menos, plausíveis). Para isso, temos de estudar essas ideias com imparcialidade.
n  Ser crítico é analisar cuidadosa e imparcialmente as ideias para procurar determinar se são verdadeiras ou falsas.
Ser crítico também não é ser extravagante. […] Ser crítico não é dizer «não» só para marcar a diferença. Ser crítico é dizer «sim», «não», ou até «talvez», mas só depois de pensar por si e com base em bons argumentos.
A atitude filosófica opõe-se à atitude dogmática.
n  Ser dogmático é recusar-se a analisar cuidadosa e imparcialmente as ideias, declarando-as verdadeiras ou falsas sem boas razões para isso.        
Uma pessoa dogmática recusa-se a avaliar criticamente as suas ideias preferidas; ou finge que o faz mas só aceita argumentos a seu favor ou contra as posições de que gosta.
A filosofia opõe-se ao dogmatismo. É uma atividade crítica e por isso dialogante; consiste em discutir ideias. […] Em filosofia discutimos criticamente para chegar à verdade das coisas, independentemente de saber quem «ganha» a discussão. […]
Porque a filosofia é uma atividade crítica, fazer filosofia implica avaliar cuidadosamente os nossos preconceitos mais básicos. Isto faz da filosofia uma atividade um pouco melindrosa. Em geral, temos tendência para nos agarrarmos acriticamente aos nossos preconceitos, porque organizam a maneira como vemos o mundo e a vida, dando‑nos uma certa sensação de segurança. A filosofia, pelo contrário exige abertura de espírito e disponibilidade para pensar livremente, pondo muitas vezes em causa os nossos preconceitos mais queridos. Mas o que é um preconceito?
n  Um preconceito é uma ideia que tomamos como verdadeira sem razões para tal.
[…] O que faz de uma ideia um preconceito não é a sua falsidade, mas sim o facto de nunca termos pensado criticamente nas razões a favor e contra essa ideia.

Questões:
  1.  Por que razão é a filosofia uma atividade crítica?
  2. O que é o dogmatismo? Explique e dê exemplos.
  3. O que é um preconceito? Dê alguns exemplos, explicando por que razão são preconceitos.
  4. Diga se as seguintes afirmações são verdadeiras ou falsas e justifique a sua resposta:

a) Todos os preconceitos são ideias falsas.
b) Alguns preconceitos são ideias falsas.
c) Ser crítico é dizer mal dos outros.
d) A filosofia opõe-se ao dogmatismo.


Almeida, A., Teixeira, C., Murcho, D., Mateus, P. e Galvão, P. (2007). A Arte de Pensar – Filosofia 10º ano. Lisboa: Didáctica Editora, pp. 23 e 24.

domingo, 22 de setembro de 2013

A filosofia é um estudo a priori ou concetual

Às vezes afirma-se que a filosofia nasce da reflexão que o homem faz quando se confronta com a sua própria experiência. Neste sentido, a filosofia surge precedida pelas vivências de quem filosofa. Mas a filosofia não é um estudo empírico; A filosofia é um estudo a priori ou concetual. Que quer isto dizer? Não será contraditório afirmar que a filosofia pode surgir a partir das vivências do vasto âmbito da experiência humana e, ao mesmo tempo, afirmar que a filosofia é um estudo a priori?
Vamos esclarecer esta característica da filosofia com a ajuda de exemplos.
Sabemos alguma coisa empiricamente quando o sabemos através da experiência. E sabemos algo a priori quando o conhecemos pelo pensamento apenas.
Ora, “O que é o conhecimento?”, “Qual é a origem do conhecimento?”, “Quais os limites do conhecimento?”, são problemas filosóficos relativos ao conhecimento. “Que categorias de coisas há?”, “O que é a verdade?”, “Como devemos sentir-nos em relação à morte: é uma coisa boa, uma coisa má ou uma coisa neutra?”, são problemas filosóficos relacionados com a realidade.
Logo, a “matéria-prima” dos problemas filosóficos é a relação do homem consigo mesmo e com o mundo natural, social, cultural, etc. É a sua experiência, o conjunto das suas vivências. Por isso, a origem da motivação para a atividade de reflexão filosófica pode ser empírica.
Outros exemplos: A motivação de Platão, filósofo grego do séc. V-IV a.C., para a filosofia foi, segundo ele próprio confessa, o seu desgosto pela “decadência” da sua cidade, Atenas, e as suas experiências políticas mal sucedidas… E as guerras religiosas e a crueldade da violência provocada pela intolerância religiosa poderão ter influenciado R. Descartes, filósofo francês do séc. XVII, para a investigação da possibilidade de uma ciência universal e para o orientar para as vantagens de utilizar o debate racional nas questões religiosas, e não a tortura ou a ameaça de tortura… Considerando estes exemplos, pode-se dizer que as experiências de vida destes homens os levaram a formular problemas filosóficos relativos à política, ao conhecimento, à moral e a outras áreas.
Mas os problemas da filosofia não são empíricos, são a priori ou conceptuais. Isto compreende‑se porque nada há na experiência empírica que nos permita resolver os problemas filosóficos. Os problemas filosóficos só podem resolver-se pelo pensamento, pelo debate racional das teorias propostas.
Por exemplo: Como se pode evitar ou diminuir a dor num doente com uma doença terminal? Isto é um problema empírico que pode ser objecto de investigação por parte das ciências biomédicas, que buscarão as informações relevantes para o efeito, utilizando a observação empírica e a experimentação. Mas a pergunta “Deve-se utilizar fármacos e cuidados paliativos para evitar ou diminuir a dor provocada por uma doença terminal? ” (no sentido em que não pode ter uma solução científica e/ou técnica) é uma questão filosófica cuja resolução só pode contar com o pensamento como recurso para a descobrir e justificar.
Deve-se evitar a dor com fármacos não curativos? Porquê? Deve-se gastar recursos com paliativos para casos perdidos? Porquê? As teorias argumentadas que se apresentem como soluções para estes problemas não há outro modo de as criar a não ser através da atividade conceptual ou a priori.
Portanto, não é o tema pelo qual o filósofo se interessa, relacionado com a natureza, o conhecimento, os valores, o seu próprio corpo, a religião, a arte, as ciências, a linguagem, etc., que é a priori. O que é a priori ou concetual é a própria atividade racional de resolução de problemas, pois os problemas filosóficos só pelo pensamento podem ser resolvidos.

José António Pereira
Escola Secundária de Alberto Sampaio

O que é a filosofia?

A filosofia é o estudo sistemático de perguntas, cujas respostas não podem ser determinadas simplesmente pela recolha de dados da observação do mundo e construindo hipóteses sobre esses dados. «O que é que dá na TV?» não é uma pergunta filosófica, porque em última análise tem de ser respondida através da observação. «Qual é a natureza do conhecimento?», pelo contrário, é filosófica. Sem experiências  não podemos responder-lhe, mas a sua resposta não repousa na observação. As questões filosóficas podem não ter respostas determinadas  Há uma verdade nelas. Mas as razões teóricas, em vez das empíricas, são os meios para se chegar à verdade. O meu interesse particular vai para a filosofia moral, o campo da Filosofia que põe questões sobre como devemos viver as nossas vidas, e o que constitui a bondade. Trata de grandes questões como «O que é que torna florescente uma vida humana?»; «O valor moral das acções reside nas suas consequências ou nos motivos por detrás delas?»; «Serão o estado das coisas ou o carácter das pessoas os supremos portadores de valor?»; e também questões muito mais específicas como «Será o aborto moralmente errado?» ou «Será alguma vez legítimo mentir?»
Estas perguntas não podem ser simplesmente respondidas reunindo provas empíricas ou científicas. Então, como tentamos nós encontrar as respostas para elas? A Filosofia rejeita apelos à autoridade  Os bons filósofos nunca fornecem nada como «Como argumenta o grande pensador Artur "Duas Cabanas" Jackson...» para apoiar as suas alegações […]. Por isso não podem recorrer à Bíblia Sagrada, aos Dez Mandamentos ou às frases de Spike Miligan, por mais profundas que sejam.

Brighouse, Harry (2008). Porque é que uma clínica de discussão é menos tonta do que uma clínica de insultos ou uma clínica de contradições. In Gary Hardcastle e George Reich (Orgs.). A Filosofia segundo Monty Python. Cruz Quebrada: Estrela Polar, pp. 69-70.