quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Valores, juízos de valor e teorias

Valores, juízos de valor e teorias

António Padrão

Hoje não há valores?

Paulo Gonçalves, um dos portugueses que participou no rali Dakar 2016, esteve em grande destaque na sétima etapa, depois de ter parado mais de dez minutos para ajudar Matthias Walkner — um piloto rival — que sofrera um acidente e partiu o fémur. Esta ação poderia ter custado a Paulo Gonçalves a liderança da classificação geral, mas ele não hesitou em parar para ajudar. Mais tarde, escreveria no Facebook:
Fiz aquilo que me competia. […] Não sou um herói, sou um ser humano com respeito pelos outros. A nossa vida vale mais que qualquer vitória, sem ela não vencemos.
O Público, onde li a notícia, refere que Paulo Gonçalves “protagonizou a boa ação do dia na sétima etapa do rali” (Pimentel, 2016).
As nossas ações podem ter várias características. Quando encaradas sob o aspeto pelo qual podem chamar-se boas ou más, têm um valor moral. Ao lermos as declarações de Paulo Gonçalves e a notícia do Público, formamos a crença de que é uma pessoa de valores, ou com valores, querendo com isto dizer que segue bons valores: foi solidário, bondoso e respeitoso com o seu rival. Mas também pode haver quem pense que ele agiu mal, que o importante era o êxito, e, por isso, não devia ter parado para ajudar, aproveitando para reforçar a sua posição de liderança. Perante a posição destes últimos, algumas pessoas dirão que eles “não têm valores”, ou, generalizando, poderão dizer que “hoje não há valores” ou que “vivemos uma crise de valores”. Quem afirma tal coisa é provavelmente quem não aprova que os outros se guiem por valores diferentes dos seus. É claro que hoje há valores como havia há cinquenta, cem ou mil anos. E continuará a haver valores enquanto existirem seres humanos ou outros capazes de valorizar coisas:
Quem declara que não há valores, quer na verdade dizer que a maior parte das pessoas valorizam o que ele não valoriza e não valorizam o que ele valoriza (Murcho, 2011, p. 46).

Subjetivismo, relativismo e objetivismo

Será que podemos dizer que é verdadeiro que Paulo Gonçalves fez uma boa ação?


 Padrão, A. (2016). Valores, juízos de valor e teorias. In Crítica.

Ver o artigo completo aqui:

Artigo originalmente publicado na revista defacto, n.º 24.
Padrão, A. (2016). Valores, juízos de valor e teorias filosóficas. In defacto, n.º 24. Braga: ESAS, pp. 6-8.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Falácia ou não?

Em declarações que foram reproduzidas no Jornal da Tarde da RTP1, no dia 18 de novembro de 2016, Luís Montenegro utilizou o seguinte argumento:
«O PSD dará oportunidade, durante o dia de hoje, de o governo tomar uma posição clara e inequívoca sobre este assunto. Chega de brincar com a Caixa Geral de Depósitos. Se o governo não desmentir a notícia que foi dada de haver um compromisso escrito [para isentar os gestores da Caixa Geral de Depósitos de apresentarem as declarações de rendimentos], não pode haver duas interpretações. Isso significará que o governo confirma a existência desse compromisso, e se esse compromisso escrito existe, nós exigimos que ele seja divulgado ao parlamento, aos deputados, e por via deles também aos portugueses.»
Luís Montenegro (Presidente do Grupo Parlamentar do PSD). RTP1, Jornal da Tarde, 18/11/2016.

Será este argumento falacioso? Porquê?



quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Filosofia para crianças

Na sessão de Filosofia para Crianças, que decorreu hoje na EB1 de Lomar, para comemorar o Dia Mundial da Filosofia, tratou-se da AMIZADE.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Dia Mundial da Filosofia 2016

Comemora-se amanhã, 17 de novembro, o Dia Mundial da Filosofia. O Grupo de Filosofia do Agrupamento de Escolas Alberto Sampaio desenvolve duas atividades, em parceria com a APEFP - Associação Portuguesa de Ética e Filosofia Prática.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Filosofia trocada por miúdos


Para compreender o que é a filosofia, vamos primeiro pensar sobre como sabemos nós das coisas. Por exemplo, como sabemos que está a chover em Paris? A resposta óbvia é que sabemo-lo porque, se estivermos em Paris, vemos que está a chover. Contudo, será esta a única maneira de sabê-lo? Não; também podemos sabê-lo porque, apesar de estarmos em Évora, estamos a falar no Facebook com a nossa irmã que está em Paris e ela diz-nos que está a chover.
Estas duas maneiras de saber que está a chover em Paris têm como base a mesma coisa: alguém (nós ou a nossa irmã) olha e vê que está a chover. Ou seja, este tipo de conhecimento tem como base os sentidos — neste caso, o sentido da visão. Porém, em alguns casos temos conhecimento das coisas por meio do sentido da audição (ouvimos uma música ou alguém a falar), do olfacto (sentimos o cheiro maravilhoso de uma laranja acabada de espremer) ou então do tacto (sentimos o calor e a textura especial da areia da praia, num dia de verão).
Será que todo o conhecimento tem por base os sentidos? A resposta óbvia é que não, pois não sabemos matemática pelos sentidos: só sabemos matemática raciocinando. Raciocinamos e sabemos que cinco mais trinta é trinta e cinco, por exemplo.
Além disso, o conhecimento que os sentidos nos dão é muito limitado: a cada momento os sentidos dizem-nos apenas o que está a acontecer. Precisamos de raciocinar para saber coisas mais complexas e menos imediatas: como viviam os dinossauros há oitenta milhões de anos, por exemplo, ou como se ligam as moléculas de oxigénio e de hidrogénio para formar a água.
Portanto, mesmo as coisas que conhecemos pelos sentidos exigem raciocínio da nossa parte. Quando a nossa irmã nos diz no Facebook que está a chover em Paris, temos de raciocinar para concluir que está realmente a chover lá. E o raciocínio é aproximadamente este: ela não teria razão para mentir; além disso, seria improvável que estivesse enganada; logo, está realmente a chover em Paris.
O raciocínio é muitíssimo importante, assim como os sentidos. Algumas coisas só podemos conhecer verdadeiramente pelos sentidos; outras, porém, não podemos conhecer pelos sentidos. É o caso dos assuntos da matemática. E é o caso dos assuntos da filosofia.
Em filosofia estudamos problemas que não podem ser adequadamente estudados recorrendo aos sentidos; só podem ser adequadamente estudados recorrendo ao raciocínio intenso, tal como na matemática. A diferença é que na matemática só estudamos problemas sobre núme­ros, figuras geométricas e coisas desse género. Em filosofia, em contrapartida, estudamos quaisquer problemas que só pelo raciocínio possam ser abordados adequadamente. Por exemplo, será injusto que algumas pessoas tenham dinheiro suficiente para comprar um avião particular, ao passo que outras não conseguem comprar um carro? Se for injusto, por que razão é injusto? E se não for injusto, por que razão não é injusto? Estas perguntas fazem-nos perguntar o que é afinal realmente a justiça: quais são as características gerais que tornam uma sociedade ou situação justa e outra injusta?
Este é apenas um exemplo de uma área de problemas da filosofia; mas há muitas outras áreas. Por exemplo, todos pensamos que há uma realidade exterior aos nossos pensamentos, realidade essa que é em grande parte independente de nós. Contudo, o que justifica tal ideia? Não pode ser apenas o facto de termos várias impressões sensíveis (audição, tacto, visão), pois quando estamos a sonhar também as temos — mas nesse caso não pensamos que a praia com que estávamos a sonhar realmente existe, ou que estávamos realmente nessa praia. Pelo contrário, estávamos era na nossa cama a sonhar. Quem nos garante então que não estamos a sonhar quando pensamos que estamos acordados?
É muito difícil responder às perguntas filosóficas porque não se vê como poderíamos responder recorrendo aos sentidos. Tudo o que podemos fazer é raciocinar muito cuidadosamente, tentando responder de um modo que resista às objecções. É por isso que a filosofia é completamente diferente das religiões. Neste último caso, não se trata de procurar respostas raciocinando intensamente; trata-se, antes, de aceitar as respostas de uma autoridade antiga, ou de um texto sagrado.
A filosofia atrai pessoas que gostam da aventura de pensar, e que não têm medo de saber que não sabem. Em filosofia tendemos a pensar que somos mais sábios quando sabemos que não sabemos do que quando pensamos que sabemos mas não sabemos.
Muitas pessoas irritam-se com a filosofia porque querem respostas e já se esqueceram da excitação que é procurar respostas a perguntas tão difíceis que não há respostas consensuais entre os especialistas. Esqueceram-se da excitação que é explorar o desconhecido, sem garantia alguma de des­cobrir todos os seus mistérios. Para essas pessoas, a filosofia é incompreensível porque, em vez de nos dar uma só resposta para cada problema, dá-nos várias: são as várias tentativas dos filósofos para responder adequadamente aos problemas da filosofia. Só que outros filósofos discordam, e então gera-se uma discussão de ideias.
Para quem gosta de raciocinar, a filosofia é a coisa mais preciosa que temos. Muitíssimo mais preciosa do que a ciência, muitíssimo mais preciosa do que as artes, muitíssimo mais preciosa do que as religiões. Porque é na filosofia que ficamos frente a frente com as perguntas mais difíceis que os seres humanos são capazes de fazer, e não desistimos de tentar responder da maneira mais rigorosa possível, sem abandonar a nossa racionalidade comum, sem invocar autoridades — seja autoridades religiosas, seja autoridades científicas, seja até autoridades filosóficas! 

Murcho, D. (2016). Todos os sonhos do mundo e outros ensaios. Lisboa: Edições 70, pp.165-168.


segunda-feira, 2 de maio de 2016

Guião de exploração do filme "Deus não está morto"



Dirigido por: Harold Cronk
Com  Shane Harper, Kevin Sorbo, David A.R. White
Género: Drama
(EUA) 2014 - 113 min.

Sinopse
Quando o jovem Josh Wheaton (Shane Harper) entra na universidade, conhece um arrogante professor de filosofia (Kevin Sorbo) que não acredita em Deus. O aluno reafirma a sua fé, e é desafiado pelo professor a provar a existência de Deus. Começa uma batalha entre os dois homens, que estão dispostos a tudo para justificar o seu ponto de vista - até afastarem-se das pessoas mais importantes para eles.



Propostas de exploração

1. Explique o título do filme.

2. Resuma as várias tramas do filme.

3. Que problema filosófico é tratado no filme?

4. Que tese defende Josh Wheaton?

5. O professor Radisson cita um conjunto de filósofos ateus, entre os quais Albert Camus. Faça uma breve investigação sobre este filósofo e diga qual a sua resposta ao problema do sentido da vida.

6. Explique o que se entende por teísmo, ateísmo e agnosticismo.

7. Explique a citação de C. S. Lewis: «Só um verdadeiro risco pode testar a realidade de uma crença».

8. Será a teoria do Big Bang compatível com a perspetiva cristã acerca da criação do universo, tal como vem narrada no Livro do Génesis?


9. Que argumento, a favor da ideia de que a existência humana tem sentido, temos aqui?
Explicite-o.

10. Que argumento, a favor da existência de Deus, pode ser construído a partir do que Josh Wheaton diz? Formule-o.

11. Stephen Hawking concorda com o argumento anterior? Porquê?

12. Qual é a crítica do professor John Lennox à tese de Stephen Hawking?

13. Que argumento está aqui em causa? Formule-o e explique-o.
14. Como é que os teístas respondem ao problema do mal?

15. Qual é o fundamento da moralidade, para os cristãos?


16. Concorda com a afirmação de Dostoievsky «Se Deus não existe, então tudo é permitido»?  Porquê?

17. Será verdade que a ciência apoia a existência de Deus? E a Sua inexistência?

18. Pensa que Deus existe? Porquê?

domingo, 17 de abril de 2016

John Rawls - Uma Teoria da Justiça

Em que tipo de sociedade escolheria viver se não soubesse qual a posição que nela iria ocupar? A obra de John Rawls, Uma Teoria da Justiça, faculta os princípios para se construir uma sociedade justa e equitativa ao imaginar a resposta de uma pessoa razoável a esta questão. O livro, publicado pela primeira vez em 1971, mudou a filosofia política, e deu novo ânimo à tradição do contrato social, estabelecida por Hobbes, Locke e Rousseau. Apesar de ser um livro complexo e, a espaços, chato, é uma das obras da filosofia política mais lidas do século XX. O seu mais distintivo aspeto é a utilização da noção de «posição original» para chegar a conclusões quanto a equidade e justiça e como se deveria obtê-las nas nossas instituições sociais.

A posição original
Se tivéssemos que escolher os princípios que deveriam governar a melhor sociedade possível, poderíamos ser influenciados pela nossa classe social, profissão, orientação sexual, e por diante. A forma descoberta por Rawls de evitar este preconceito é conceber uma experiência mental, uma situação hipotética em que todos os factos sobre o nosso eu, e os seus desejos particulares, estão ocultos por um véu de ignorância. Temos que imaginar desconhecer se temos ou não emprego. De que sexo somos, se temos família, onde vivemos, se somos otimistas, pessimistas ou toxicodependentes. Contudo, simultaneamente, temos boas noções de política, economia, dos fundamentos da organização social e das leis da psicologia humana. Sabe-se que há bens essenciais indispensáveis a qualquer estilo de vida, que incluem certas liberdades, oportunidades, rendimento e dignidade. Rawls chama a esta situação de ignorância quanto ao nosso lugar em sociedade a «posição original».
Nesta fase hipotética de posição original, que princípios seria racional adotar-se para se organizar uma sociedade? Ao pôr esta questão pretende-se eliminar todas as características irrelevantes das nossas vidas que, de outra forma, tendem a interferir na nossa avaliação do tipo de sociedade que deveria existir. Rawls parte do princípio [de] que os princípios racionalmente escolhidos em condições de posição original teriam a especial pretensão de ser justos e que, sendo o restante igual, deveríamos adotá-los.
Os princípios que emergem deste processo não devem ser controversos, pois se realizássemos efetivamente a experiência mental não deveria haver diferença entre quaisquer indivíduos nela envolvidos. Isto porque na posição original todos os elementos que nos distinguem teriam sido eliminados. Os princípios deveriam ser, então, aqueles com que participantes racionais concordariam. Ao executar a sua experiência mental Rawls apresenta dois princípios essenciais, um relacionado com a liberdade, outro com a distribuição equitativa dos bens. Estes princípios consubstanciam as suas conclusões políticas básicas, que são liberais e igualitárias.
Contrariamente a alguns teóricos do contrato social, Rawls não afirma que todos acordaram quanto a estes princípios; antes, serve-se da sua experiência mental de posição original como forma de criar princípios básicos para a ordenação de uma sociedade justa, comparando-a depois com as intuições pré-existentes para fazer ajustes mais detalhados. Rawls acredita que os princípios para a ordenação da sociedade que emergem juntos merecem o nome «justiça como equidade», visto ter-se chegado a eles através de um processo racional e imparcial. O primeiro dos dois princípios assim gerados é o princípio da liberdade.

O princípio da liberdade
O princípio da liberdade afirma que «todos devem ter igual direito ao mais extenso sistema total de liberdades essenciais iguais compatível com um sistema semelhante de liberdade para todos». Por outras palavras, ao escolher, envolta num véu de ignorância, uma pessoa racional quereria que todos os membros da sociedade tivessem o mesmo direito às liberdades essenciais. Caso contrário, essa pessoa poderia vir a ser vítima de discriminação. Por exemplo, a liberdade de consciência, a liberdade de crença secular ou religiosa, seja ela qual for, é uma liberdade essencial para cuja restrição por parte do Estado não há justificação. Só quando as nossas ações ameaçam a liberdade de outrem é que a intervenção estatal se justifica, uma vez que a nossa liberdade neste aspeto é incompatível com liberdade idêntica para os outros. Mesmo os intolerantes têm direito à liberdade até ao ponto em que fazem perigar a liberdade dos outros. A lei é necessária para garantir as várias liberdades a que cada membro da sociedade tem direito.
Rawls estipula que os princípios que apresenta como escolhas racionais de qualquer um em posição original são ordenados lexicalmente. O que isto quer dizer é que estão hierarquizados de tal forma que o primeiro princípio tem que ser satisfeito antes de se considerar o segundo, o segundo antes do terceiro, e assim sucessivamente. Isto significa que o direito à liberdade igual é o princípio essencial na sua teoria, tendo sempre prioridade. As exigências deste princípio têm que ser satisfeitas em primeiro lugar e são mais importantes do que as do segundo princípio. O quadro de Rawls de uma sociedade justa é, assim, aquele em que a lei mantém e faz cumprir o direito à liberdade igual.

O princípio da igualdade de oportunidade e o princípio da diferença
O segundo princípio de Rawls, relacionado com a justa distribuição dos bens essenciais, consiste na realidade em dois princípios: o da justa igualdade de oportunidade e o princípio da diferença. No seu todo, este segundo princípio tem prioridade lexical sobre quaisquer princípios de eficiência, o que significa que a justiça é mais importante do que a utilidade.
O princípio da igualdade de oportunidade afirma que quaisquer desigualdades sociais ou económicas associadas a cargos ou trabalhos específicos podem apenas existir se esses cargos ou trabalhos estiverem abertos a todos em condições de igualdade de oportunidade. Ninguém pode, por exemplo, ser excluído dos trabalhos mais bem remunerados por motivos infundados, tais como a raça ou a orientação sexual. Para Rawls, a igualdade de oportunidade é mais do que antidiscriminação. Inclui, por exemplo, o facultar de educação para permitir a todos desenvolverem os seus talentos. Este princípio da igualdade de oportunidade tem prioridade lexical sobre a outra parte deste segundo princípio: o da diferença.
O princípio da diferença insiste que quaisquer desigualdades económicas ou sociais devem apenas ser toleradas na condição de trazerem maiores benefícios aos mais desfavorecidos da sociedade. Isto é a implementação da estratégia conhecida como «maximin». Maximin é a abreviatura de «maximizar o mínimo», que significa escolher a opção que possibilite a melhor solução no pior dos casos. O conceito será, talvez, mais fácil de perceber se considerarmos o exemplo de salários justos numa sociedade justa. Imagine-se duas situações. Na primeira, a maioria das pessoas aufere altos salários, mas dez por cento da população mal ganha para viver. No segundo caso, apesar do nível de vida ser, em média, mais baixo, os dez por cento da população em piores condições têm um razoável nível de vida. Para alguém a escolher em posição original, afirma Rawls, a segunda das duas situações é preferível pois garante que toda a gente na sociedade atingirá um razoável nível de vida: aqueles em piores condições não estão assim tão mal. No primeiro caso, contudo, apesar de haver bastante hipótese de terem um excelente nível de vida, há também um risco significativo de auferirem um salário que mal dê para viver. Ao adotar a estratégia maximin devemos minimizar os riscos mais graves e optar pelo segundo caso. Não vale pura e simplesmente a pena arriscar viver na mais abjeta pobreza.

Críticas a Uma Teoria da Justiça

A posição original
A principal crítica à noção de posição original afirma que é psicologicamente impossível libertarmo-nos do conhecimento de quem e daquilo que somos, mesmo numa experiência mental. Os nossos preconceitos iludem, inevitavelmente, o censor. Alguns críticos de Rawls afirmaram que tudo o que ele realmente fizera com a sua experiência mental foi confirmar os seus pré-existentes preconceitos liberais e dar-lhes uma aura de princípios racionalmente escolhidos. Não é realista pensar que se pode simplesmente ignorar o que se sabe e aquilo que é central à nossa existência.
Em defesa de Rawls pode aduzir-se que tudo o que ele demonstra é a dificuldade de utilizar a experiência mental de forma eficaz. Esta pode até ser o melhor mecanismo que possuímos para criar princípios para ordenar a sociedade, ainda que. por conter características da psicologia humana, seja suscetível de ser imperfeito em muitos aspetos. Rawls nunca afirmou que o seu método era infalível. Mas é fácil perceber que pode eliminar alguns princípios tendenciosos por estarem obviamente condenados ao fracasso.
Contudo, a posição original contém em si algumas assunções básicas. Rawls retira dela princípios que apresentam a visão de uma sociedade liberal, tolerante, em que as pessoas podem viver juntas e seguir as suas próprias conceções do que é bom e justo. A forma como a experiência mental está concebida dá uma grande prioridade à autonomia, a nossa capacidade de tomarmos decisões por nós próprios sobre como queremos viver as nossas vidas. Aqueles adeptos de tradições culturais e religiosas que conferem grande ênfase à hierarquia, à tradição e à obediência terão poucas razões para efetuar esta experiência mental de posição original visto esta estar imbuída da tendência para a conceção kantiana e liberal daquilo que deve ser uma agente moral racional.

Objeção utilitarista
Os utilitaristas poderiam contestar os princípios de Rawls com base no argumento de que estes não maximizam necessariamente a felicidade. Os utilitaristas acreditam que a ação moralmente correta em qualquer circunstância é aquela que, provavelmente, a maior quantidade de felicidade causará. Um dos principais objetivos de Rawls ao escrever Uma Teoria da Justiça era desenvolver uma alternativa coerente a este tipo de cálculo utilitarista. A defesa de uma gama de direitos à liberdade e, em particular, a implementação do princípio da diferença, dificilmente maximizará a felicidade. Uma consequência direta da insistência na tese de que as únicas razões para as desigualdades são as que beneficiam os mais pobres, é que muitas soluções sociais que causariam uma felicidade muito maior serão excluídas.
A resposta de Rawls às abordagens utilitaristas da sociedade é que visto que não se sabe qual a posição que iremos ocupar na sociedade quando escolhemos em posição original, a abordagem racional consiste em eliminar-se qualquer risco de se levar uma vida desagradável. O utilitarismo, pelo menos na sua forma mais incipiente, não salvaguarda os direitos humanos e as liberdades; não seria racional escolhemo-lo na posição original. A abordagem de Rawls enfatiza que pode haver propósitos mais importantes do que apenas alcançar o mais alto grau possível de felicidade.

Arriscar versus jogar pelo seguro
Adotar a estratégia maximin é uma forma de jogar pelo seguro. Garante que os mais pobres beneficiam com as desigualdades intrínsecas das instituições sociais. Contudo, muitos de nós descortinam motivos para se pôr algo em jogo, estando dispostos a arriscar algum desconforto pela possibilidade de uma recompensa substancial. Por que é que não é racional, na posição original, escolher uma sociedade em que haja um alto grau de probabilidade de que as coisas me corram muito bem, mesmo que, de facto, eu me possa dar mal? Para um jogador isto parecerá preferível à aposta segura das desigualdades restritas que resultam da aplicação do princípio da diferença. A resposta de Rawls é que a estratégia do jogador é demasiado arriscada; mas, por seu lado, o jogador crê que a abordagem de Rawls é demasiado conservadora.

A objeção  libertária
Filósofos libertários, como Robert Nozick (1938-2002), argumentaram que, para além de preservar alguns direitos essenciais, o Estado não deveria estar muito envolvido no controlo das instituições sociais. Nozick afirma que se justifica um Estado apenas nominal, que proteja os indivíduos contra o roubo e faça cumprir os contratos, e que atividades mais intervenientes do que estas violarão alguns direitos que não devem ser coagidos. Em contraste, a sociedade justa de Rawls taxaria, por exemplo, a propriedade, de uma forma que corrigisse a distribuição da riqueza.
Neste ponto, Nozick pressupõe que o direito que não deve ser coagido é mais fundamental do que direitos à igualdade de diversos tipos, e que direitos como a propriedade se sobrepõem a quaisquer outras considerações. Rawls parte de pressupostos diferentes: crê que os seus princípios, e em especial o princípio do direito a liberdade igual, são a essência de uma sociedade justa. Eis assim representadas duas abordagens contrastantes e incompatíveis da filosofia política.

Warburton, N. (2013). Grandes livros de filosofia. 2.ª ed. Lisboa: Edições 70, pp. 330-337.

Os Limites à Liberdade

O que é a «liberdade política» que tanto valorizamos? A maior parte dos filósofos políticos admite que temos vontade própria, ao mesmo tempo que defende que estamos condicionados a aceitar tipos limitados de opção política. A maior parte dos cidadãos aceita que a liberdade pessoal absoluta é uma ilusão — temos de reconhecer algum tipo de «liberdade coletiva» para funcionarmos como cidadãos responsáveis. O pensador liberal Isaiah Berlin (1909-1997) sugeriu notavelmente que a liberdade política pode ser tanto «negativa» quanto «positiva».



Os governos democráticos de direita costumam favorecer a ideia de liberdade negativa, porque um Estado que interfere na liberdade individual reduz a autoconfiança e a iniciativa individuais. Os governos de esquerda contrariam esta ideia com a crença em que ninguém a quem é recusada a oportunidade de ser bem-sucedido, devido à pobreza ou à falta de educação, pode ser verdadeiramente «livre».
Berlin defende que a existência de liberdade positiva prejudica quase inevitavelmente alguns tipos de liberdade «negativa».


Marcuse, um marxista pós-moderno, promoveu a ideia de que somos escravos felizes do capitalismo e negou qualquer efetiva liberdade de protesto, porque a nossa democracia «unidimensional» foi concebida para impedir todas as novas formas de pensamento radical.

Robinson, D. & Grooves, J. (2012). Filosofia política para principiantes. Amadora: Vogais, pp. 164-165.

Filosofia Política

A filosofia política aborda questões acerca dos indivíduos, das comunidades, da sociedade, da lei, do poder político, do Estado e a forma como todos se relacionam.
  • É possível ou desejável dizer como «são realmente» os seres humanos?
  • O que é a sociedade? É algo mais do que as pessoas que a compõem? Ou a primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, estava certa quando disse que «a sociedade é algo que não existe»?
  • O que é o Estado? E uma construção artificial ou será algo que evolui naturalmente?
  • Até que ponto o Estado permite a cada cidadão ser livre? Há boas razões morais para os cidadãos serem obrigados a obedecer às leis? Até que ponto o Estado tem o direito de punir aqueles que desobedecem às suas ordens?
  • A democracia é a melhor forma de governação?
  • Deve o Estado interessar-se pela promoção da igualdade económica? E, se assim for, deve ser autorizado a interferir na propriedade privada dos cidadãos?

Robinson, D. & Grooves, J. (2012). Filosofia política para principiantes. Amadora: Vogais, p. 5.

sábado, 16 de abril de 2016

Discriminação Positiva

A discriminação positiva teve a sua origem nos movimentos que lutavam pelos direitos civis, defendendo e reivindicando sobretudo os das mulheres, nos anos 60 e 70, nos Estados Unidos.
É um fenómeno que visa recompensar grupos historicamente desfavorecidos­ — minorias e mulheres — com especial consideração no que toca à educação, habitação e emprego. Essas instituições com políticas que defendem a discriminação positiva geralmente definem objetivos, visando aumentar a diversidade, embora os tribunais tenham considerado tal prática inconstitucional. No fim do século XX, o Tribunal Supremo limitou essas mesmas práticas, sendo argumentado por um forte movimento de oposição que tal já não era necessário. Em junho de 2003, contudo, o Tribunal Supremo declarou que as universidades podiam utilizar a raça dos candidatos como um fator que influenciasse a sua admissão, embora, profundamente dividido, estabelecesse para tal fator o «peso» do mesmo, isto é, o quanto este deveria influenciar a decisão final. O Tribunal tornou-se mais conservativo, seguindo o decreto de John Roberts e Samuel Alito (integrantes do Tribunal Supremo) em 2006, e no ano seguinte foi declarado inconstitucional o uso da raça como fator principal (que mais influência exercia) na admissão de estudantes em escolas básicas e secundárias específicas.

Vantagens
As mulheres e grupos minoritários tiveram constantemente de enfrentar obstáculos e dificuldades no acesso à educação e emprego, o que não aconteceu com os homens brancos. A discriminação positiva equilibra assim a influência/acesso aos diversos sectores.
A discriminação positiva incentiva a valorização/apreciação do potencial/das capacidades de milhões de pessoas. Os integrantes das minorias são tão dotados de capacidades como qualquer um da maioria, mas o seu potencial não é explorado devido à falta de oportunidades. O país lucra imenso ao utilizar e valorizar o potencial de todos os seus cidadãos.
Membros de minorias bem sucedidos são exemplos a seguir, sendo que tal propicia o desenvolvimento de jovens também integrantes de minorias.
Integrar mais membros de minorias no mercado de trabalho irá alterar atitudes racistas e sexistas, já que estes irão ser vistos como pessoas individuais e não como estereótipos.
A quantidade de membros de minorias em determinadas profissões deveria refletir a sua existência no próprio país. A sub-representação de minorias e das mulheres em certos sectores leva à perceção de atitudes racistas e sexistas nas instituições empregadoras.
A existência de candidatos de minorias a profissões de elevada importância irá permitir-lhes acabar com estereótipos e tornar o acesso aos sectores (educação, emprego) mais justo para todos.

Desvantagens
Toda a discriminação é negativa/prejudicial. É sempre errado escolher consoante critérios que não o mérito ou a habilidade. A discriminação positiva leva a que candidatos capazes (com mérito) sejam injustamente não admitidos.
A discriminação positiva dá, assim, origem à ocupação de vagas por parte de candidatos menos capazes/meritosos. No entanto, os empregadores devem ter flexibilidade e oportunidade de empregar os melhores candidatos para assegurarem eficiência e produtividade.
A discriminação positiva invalida as realizações/sucesso de membros de minorias ao criar a perceção de que o seu sucesso não foi merecido, mas sim proporcionado. Alguns membros de minorias veem a discriminação positiva como algo que apenas visa a representação dessas mesmas minorias nos variados sectores, sendo, por isso, tomados como símbolos dessas.
A discriminação positiva tem como consequência o ressentimento/revolta por parte daqueles que não beneficiam com esta prática, criando um mal-estar patente entre a maioria e minorias.
Devemos, definitivamente, visar o aumento da representação de minorias em posições de alto perfil, isto é, importantes. Contudo, não devemos desvalorizar o nosso mérito e as nossas capacidades. Em alternativa, devemos conceder um melhor acesso à educação a toda a gente, podendo, consequentemente, ser dada preferência ao mérito sem discriminação.
As instituições educacionais estão a tornar-se mais diversificadas. Esta diversidade conduzirá ao aumento da representação de minorias em cargos de grande importância em sectores como o comércio, educação e governação. Embora a mudança não seja tão rápida como o desejado, são notáveis as melhorias. A implementação continuada da discriminação positiva pode conduzir a um afastamento entre maioria e minorias que condiciona inevitavelmente o progresso.

The debatabase book : a must have guide for successful debate / by the editors of IDEA; introduction by Robert Trapp. 4th ed, pp. 20-21.


Agradeço à Catarina Fernandes, do 10.º A, a tradução deste texto.

Desobediência Civil


A desobediência civil consiste na violação deliberada de uma lei em defesa de um princípio moral ou visando uma mudança nas políticas postas em prática por determinado governo.  Aqueles que praticam desobediência civil estão dispostos a aceitar as consequências das suas transgressões como um meio para promover a sua causa.
Henri David Thoreau primeiramente reuniu os princípios da desobediência civil num ensaio publicado em 1849 “On the Duty of Civil Desobidience” (em português “Sobre o Dever da Desobediência Civil”). Este argumentou que quando a consciência e a lei não coincidem, os cidadãos têm a obrigação de promover a justiça utilizando como meio para tal a desobediência a essa mesma lei. A desobediência civil foi uma importante e revolucionária estratégia posta em prática no movimento das mulheres sufragistas, na campanha pela independência na Índia, no movimento dos direitos civis nos Estados Unidos e na abolição do Apartheid na África do Sul.

Argumentos a favor
As eleições não dão oportunidade suficiente às pessoas de expressarem a sua vontade. Em determinadas circunstâncias, a desobediência civil é uma poderosa estratégia para se fazer ouvir a vontade do povo. Se uma lei é opressiva, as pessoas não se podem opor a esta através apenas de princípios morais, mas obedecer à mesma na prática. Assim, essa mesma lei deve ser violada.
No passado, a desobediência civil já superou a opressão exercida por diversas ditaduras, bem como políticas que não satisfaziam o povo, enquanto outros métodos falharam. Por exemplo, a desobediência de Mohandas Ghandi foi fundamental na conquista da independência da Índia, sendo que a mesma estratégia foi utilizada por Martin Luther King na conquista dos direitos básicos para os afro-americanos, Estados Unidos. Nestes casos, nenhuma outra estratégia permitia a expressão do desagrado do povo.
De facto, o conflito com a autoridade dá a qualquer protesto poder e urgência e faz com que o povo tenha uma maior audiência. O movimento das mulheres sufragistas no Reino Unido e o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos são exemplos de uma causa bem-sucedida que deu a vitória ao povo através do confronto com a autoridade, algo simplesmente não atingido por qualquer outro método.

Objeções
A voz do povo pode ser ouvida de várias maneiras. Regularmente ocorrem eleições e qualquer pessoa pode escrever aos governantes, sejam estes locais ou nacionais, expressando a sua opinião, sendo a principal função destes representar e servir o povo. Assim, devido ao facto de haver múltiplos meios de os cidadãos expressarem as suas perspectivas, a desobediência civil é desnecessária. Podem perfeitamente ser organizados protestos sem que para isso seja necessário violar leis.
Um protesto pacífico é quase sempre possível em qualquer sociedade, tornando a violação de leis por vezes inútil. A desobediência civil pode conduzir a uma sociedade completamente desregrada e, de facto, associar uma causa ao pânico e à violência é, na maior parte das vezes, contraprodutivo.
Muito frequentemente, esta «violência produtiva» é dirigida contra pessoas inocentes ou contra a polícia, causando repetidamente danos e prejuízos a todos os níveis. Nenhuma causa vale o sacrifício de vidas inocentes. O protesto deve ser pacífico ou não acontecer de todo.

The debatabase book : a must have guide for successful debate / by the editors of IDEA; introduction by Robert Trapp. 4th ed, pp. 52-53.

Agradeço à Catarina Fernandes, do 10.º A, a tradução deste texto.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Conhecimento vulgar e conhecimento científico

Também denominado "empírico", o conhecimento vulgar é o que todas as pessoas adquirem na vida quotidiana, ao acaso, baseado apenas na experiência vivida ou transmitida por alguém. Em geral resulta de repetidas experiências casuais de erro e acerto, sem observação metódica nem verificação sistemática, por isso carece de caráter científico. Pode também resultar de simples transmissão de geração para geração e, assim, fazer parte das tradições de uma coletividade.
Não é necessário estudar Psicologia para se saber que uma pessoa está alegre ou está triste. Você conhece o estado de humor dessa pessoa porque empiricamente já passou por muitas experiências de contacto com pessoas alegres ou tristes. É igualmente vulgar o conhecimento que, em geral, o lavrador iletrado tem das coisas do campo. Ele interpreta a fecundidade do solo, os ventos anunciadores de chuva, o comportamento dos animais. Sabe onde furar um poço para obter água, quando cortar uma árvore para melhor aproveitar a sua madeira e se a colheita deve ser feita nesta ou naquela lua. Ele pode, inclusive, apresentar argumentos lógicos para explicar os factos que conhece, mas o seu conhecimento não penetra os fenómenos, permanece na ordem aparente da realidade. Como é fruto da experiência circunstancial, não vai além do facto em si, do fenómeno isolado.
Embora de nível inferior ao científico, o conhecimento vulgar não deve ser menosprezado. Ele constitui a base do saber e já existia muito antes do homem imaginar a possibilidade da Ciência.
[…]
O conhecimento científico resulta de investigação metódica, sistemática da realidade. Ele transcende os factos e os fenómenos em si mesmos, analisa-os para descobrir as suas causas e concluir as leis gerais que os regem.
Como o objeto da Ciência é o universo material, físico, naturalmente perceptível pelos órgãos dos sentidos ou mediante a ajuda de instrumentos de investigação, o conhecimento científico é verificável na prática, por demonstração ou experimentação. Além disso, tendo o firme propósito de desvendar os segredos da realidade, ele explica e demonstra os fenómenos com clareza e precisão, descobre as suas relações de predomínio, igualdade ou subordinação com outros factos ou fenómenos. De tudo isso conclui leis gerais, universalmente válidas para todos os casos da mesma espécie.

GALLIANO, A. G. (1979). O método científico: teoria e prática. São Paulo: Harper & Row, pp. 18-19 (adaptado).